A Escalada do Conflito Sino-Indiano
- Tiago Martins
- 27 de jun. de 2020
- 6 min de leitura

A 15 de Junho, um total de 20 militares indianos foram mortos na fronteira dos Himalaias entre a China e a Índia por tropas chinesas. As tensões entre ambos têm vindo a crescer nos últimos tempos, desenterrando disputas territoriais e fronteiriças que datam desde inícios do Século XX. Apesar de se tratarem de antagonismos já antigos, e de ambos os países em conflito terem ao longo dos anos reforçado a área com tropas, infraestruturas e armamento pesado como forma de intimidação, estas mortes revelaram-se uma novidade, dado que não existiam disputas que resultassem em óbitos desde 1967.
O local no qual a maioria das tropas de ambos os lados se têm posicionado trata-se de uma remota zona nos Himalaias chamada de Vale de Galwan, sendo que a China enviou nos últimos meses tanques, escavadoras e artilharia pesada como forma de dissuadir a Índia a interromper os seus planos de construção de uma estrada que ligaria dois pontos importantes em suposto território indiano nesta zona do Vale de Galwan. Os chineses encontram-se determinados a impedir o desenvolvimento militar indiano na região, noticía o New York Times.
Sem um único disparo, os soldados chineses e indianos combateram até à morte através de socos, arremesso de calhaus e agressões mútuas com bastões. Nos primeiros dias, o exército indiano apenas declarou a morte de 3 dos seus tropas na região de Ladakh (que faz fronteira com Aksai Chin), área controlada pela China, mas clamada por ambas as nações. Porém, na noite de 16 de Junho, segundo afirma o New York Times, um porta-voz do exército indiano declarou a morte de 20 das suas tropas às mãos dos chineses, e mais umas dezenas de soldados se encontravam desaparecidos. Os canais televisivos indianos reportaram também que vários soldados chineses tinham sido igualmente mortos por militares indianos, informação não comentada pela China.

Mapa retirado da Gazeta do Povo
Aparentemente, as tensões recentes devem-se a uma construção indiana no Vale Galwan, numa estrada em direção a uma remota base aérea. Apesar desta estrada ter forte presença indiana, os chineses estão determinados em impedir o desenvolvimento militar indiano na região.
Segundo o The Guardian, os analistas apontam que o governo chinês tem sido “mais assertivo acerca da construção de infraestruturas na área”, tentando impedir com que a Índia construa instalações militares na zona fronteiriça.
Também a pandemia do novo Coronavirus tem sido uma das explicações dadas pelos experts como origem deste comportamento chinês, como é exemplo das declarações de David Stilwell, Secretário-Adjunto da East Asian Pacific Affairs. Aproveitando uma recente vulnerabilidade no exército indiano que fez com que estes adiassem os seus exercícios militares na zona de Ladakh, a China fez ressurgir assim o nacionalismo fervoroso. A BBC pondera a hipótese deste renascimento sino-nacionalista como forma de esconder os problemas sociais e económicos que o País enfrenta e aproveitar também a crescente fragilidade indiana face ao vírus e seus efeitos. Assim, tanto esta disputa territorial com a Índia, como os problemas cada vez mais prementes em Taiwan e Hong Kong, bem como a guerra comercial com a Austrália fortalecem esta abordagem chinesa a conflitos externos.
A História do Conflito Sino-Indiano
O conflito fronteiriço entre estas duas nações, podem ser datadas pelo menos desde 1914, quando representantes da Grã-Bretanha, China e Tibete se juntaram em território indiano, de forma a decidir o estatuto do Tibete e as fronteiras entre a China e a Índia britânica. O Reino Unido acabou por impor condições fronteiriças entre território indiano e chinês, que a China não aceitou. Esta imposição britânica ainda hoje chamada de Linha de McMahon, é a fronteira que a Índia reclama como real e oficial, apesar da negação chinesa quanto à mesma.
Em 1947, a Índia declara independência do Reino Unido. Este fator, aliado à ascensão de Mao Zedong na China, fez emergir conflitos fronteiriços de imediato, que se prolongaram durante todos os anos 50. Em 1962, Mao entendeu que a Índia tentava destabilizar o Tibete através de negociações secretas com a União Soviética e com os EUA, de forma a enfraquecer o domínio chinês e a abrir zonas de conflito em áreas consideradas de extrema importância para a China. Assim, com o mundo distraído e focado na Crise dos Misseis Cubanos, a China decide atacar a Índia.
As tropas chinesas passaram a Linha de McMahon e tomaram posição no território indiano, capturando algumas cidades. A Guerra resultou na morte de mais de 1000 militares indianos e outros 3000 feitos prisioneiros. Ocorreram menos de 800 mortes de militares chineses. Em Novembro, um cessar fogo foi anunciado pela China, redefinindo não oficialmente as fronteiras, estendendo-as até onde as tropas chinesas chegaram, que se passou a chamar de Line of Actual Control.
Em 1967 novos confrontos entre tropas dos dois países perfizeram um total de 500 mortos de parte a parte. Nesse confronto a Índia saiu vitoriosa destruindo fortificações chinesas em Nathu La e puxando as tropas de Mao muito atrás do território anteriormente conquistado. No entanto, esta redefinição de fronteiras levou a grandes conflitos de ideias sobre a localização exata da Linha de Controlo. Estes confrontos foram a última vez que ocorreram mortes até 2020.
De volta à atualidade
“O sacrifício feito pelos nossos soldados não será em vão”, afirmou prementemente o Pirmeiro Ministro Indiano Narendra Modi. Este diz também que “a Índia quer paz. Mas, sendo provocada dará uma resposta à altura”. Rahul Gandhi, líder da oposição toma uma abordagem ainda mais agressiva: “Como se atreve a China a matar os nossos soldados? Como se atrevem a tirar-nos a nossa terra?”. Alguns analistas militares defendem que apesar de nenhuma das nações pretender prolongar este conflito, é a Índia a mais interessada em voltar a ter paz na região, dada a desigualdade de recursos militares pender negativamente para as tropas de Modi.
A Índia tem agora um problema em mãos na região, uma vez que países outrora consigo alinhados, como o Nepal e o Sri Lanka, são agora muito mais favoráveis à China devido a investimento chinês em massa na região. Também a clara aliança entre o Paquistão e a China colocam Modi numa posição vulnerável neste conflito.
Um general indiano reformado, H.S. Panag, afirma que “este era um incidente que estava à espera de acontecer”, uma vez que este é produto de uma disputa por um local preciso na fronteira dos Himalaias que não só reside pouca população, como é local de fácil extração de recursos. Desde os anos 60 que ambas as tropas têm fortes dispositivos militares instalados na região sempre apontados um para o outro em forma de prevenção.
O conflito atual abriu caminho para uma aproximação indiana dos rivais mais fervorosos da China: USA, Japão e Austrália são os três países mais sonantes na lista de rivais chineses, que a Índia decidiu então reaproximar-se no contexto geopolítico. O jornal indiano Hindustan Times, veio pedir uma maior ação por parte da Quadrilateral Security Dialogue (Quad), um grupo estratégico composto pelos EUA, Japão, Austrália e Índia que costumam agendar reuniões de forma a trocar informações e a fazer testes militares em conjunto. Esta aliança é vista como a esperança para contrabalançar o poder chinês na região, pelo menos enquanto a NATO não intervém.
As primeiras reuniões do QUAD sofreu fortes retaliações chinesas, forçando a Austrália a desistir das mesmas com medo de repercussões. Porém, em 2017 estas reuniões foram doravante retomadas devido aos sucessivos avanços chineses no Mar do Sul da China. A Índia tem vindo a atuar com alguma cautela no que concerne a relações diplomáticas com os EUA, tentando sempre balançar as mesmas com relações económicas fortes com a China. Não obstante, após os recentes eventos na fronteira dos Himalaias, a boa relação entre Modi e Trump parece finalmente trazer algum realinhamento estratégico entre ambos os líderes mundiais.
As tensões fronteiriças estenderam-se então para o campo tecnológico: milhões de indianos descarregaram uma aplicação para Android indiana cujo único conceito se trata de “remover aplicações chinesas dos androids”, segundo o IndiaTvNEWS. Tendo em conta a enorme cooperação que estas duas nações tinham no plano tecnológico, este pode ser o início de uma deterioração definitiva ou de maior escala em todos os setores para ambos os países.
Concluíndo, as tensões fronteiriças remontam a um conflito histórico já antigo, pelo que o reatar de confrontos diretos entre tropas na região de Ladakh pode ser o início de uma escalada no choque Sino-Indiano pelo controlo e domínio do continente asiático.
Comments